História e Resistência que se Plantam

Sementes crioulas e sua preservação são as principais temáticas debatidas durante o Encontro da Rede Estadual de Guardiãs e Guardiões da Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro.


Sementes crioulas e sua preservação são as principais temáticas debatidas durante o Encontro da Rede Estadual de Guardiãs e Guardiões da Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro.


Publicado há 5 anos, 6 meses

Por Indi Gouveia e Lívia Bacelete, comunicadoras populares da ASA Minas

Semente crioula é vida, soberania, alimento, autonomia, cura, é a tradição que resiste e garante a agrobiodiversidade. Para as guardiãs e os guardiões que vivem no Semiárido brasileiro esses são apenas alguns dos significados que refletem a importância das sementes, passadas de geração em geração na convivência com a região, na promoção da agroecologia e na preservação do meio ambiente.

"A semente para nós é muito mais que colocar no chão e dar fruto. Ela tem uma história, ela vai além de plantar e produzir, porque a gente não está plantando para ganhar dinheiro, estamos plantando para gerar vida e para educar.", afirma Elisângela Aquino, guardiã da agrobiodiversidade, geraizeira do Assentamento Tapera, no município de Riacho dos Machados.

Essas e outras reflexões foram evidenciadas durante o Encontro da Rede Estadual de Guardiãs e Guardiões da Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro, que aconteceu nos dias 21 e 22 de maio, em Porteirinha. O Encontro reuniu agricultores e técnicos das organizações que compõem a Articulação no Semiárido Mineiro (ASA Minas), vindos do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha, em um espaço de troca de saberes e de experiências, socialização de atividades e construção de estratégias.

A atividade foi promovida pelo Programa Sementes do Semiárido, da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), que é executado em Minas Gerais pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Porteirinha com o apoio da ASA Minas e é financiado pela Fundação Banco do Brasil. O programa reforça a cultura do estoque de sementes crioulas como estratégia de convivência com o Semiárido.

"Mais do que matar a sede, do que ter o alimento, o debate de segurança alimentar ganha muita força com as sementes. Não basta comer, nós temos que saber o que estamos comendo, ainda mais neste contexto de avanço dos transgênicos e do uso de veneno.", afirma Valmir Soares de Macedo, coordenador executivo da ASA Brasil e da ASA Minas, ao lembrar do histórico dos programas desenvolvidos pela Articulação em 20 anos de trajetória.

Para além das características climáticas, o Semiárido mineiro é uma região que sofre impactos de grandes empreendimentos, como monoculturas e mineração, as quais comprometem o acesso à água de qualidade e também põem em risco a diversidade da fauna e da flora. “O momento é de mobilização, estamos encurralados pelo agronegócio, pelo boi, pelo eucalipto, pela mineração. Temos que enfrentar tudo isso, mobilizar, mostrar que produzimos alimentos sem venenos, alimentos agroecológicos. Temos que mostrar para a sociedade, que o alimento deles causa câncer e o nosso saúde.”, afirma Rodrigo Pires, secretário regional da Cáritas em Minas Gerais.

Sementes crioulas como resistência dos povos do Semiárido

 

Em Minas Gerais, as sementes crioulas, carinhosamente chamadas de “Sementes da Gente”, refletem a resistência dos povos frente ao avanço dos agrotóxicos e das sementes geneticamente modificadas. Para o agricultor familiar, depender desses itens significa a perda de autonomia e da soberania, já que para as transgênicas se desenvolverem elas dependem de substâncias químicas para a produção: “A gente sabe que a semente transgênica só vai trazer doença, empobrecer o agricultor. A gente sabe que o interesse deles é que a gente fique encabestrado.”, explica João Altino, guardião da agrobiodiversidade do Assentamento Americana, em Grão Mogol.

Além dos altos custos das sementes transgênicas para o trabalhador e trabalhadora rural, o uso de agrotóxicos traz problemas para a saúde. Apenas este ano, em dois meses de governo, já foram liberados 197 tipos de agrotóxicos no Brasil, boa parte deles com substância associadas ao desenvolvimento de câncer e de outras doenças. Segundo o Portal de Dados Abertos Sobre Agrotóxicos, entre 2007 a 2014 foram registrados 4.545 casos de intoxicações por agrotóxicos apenas em Minas Gerais e 34.147 em todo o Brasil.

“Os grandes não estão olhando pra saber se nós estamos com saúde ou não, eles não estão nem aí. Nós somos os pequeninos, temos que nos unir e chamar mais gente para essa luta.”, diz Maria Pedro Macedo, guardiã da agrobiodiversidade da comunidade Mato Grande, em Turmalina.

 

Frente Parlamentar e construção de leis em defesa da convivência com o Semiárido

 

No final de abril, foi lançada em Brasília/DF a Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido, articulada pela sociedade civil organizada com deputados e deputadas federais do Semiárido brasileiro. A Frente surge com o objetivo de sensibilizar o Congresso Nacional na defesa e construção e garantia de políticas de convivência com o clima, entre elas os programas de acesso à água e o programa de sementes. 

Segundo o coordenador da ASA, Valmir Macedo, está na hora de conversar com vereadores, prefeitos, deputados federais e estaduais para pautar o debate e levar a importância dos programas de convivência com o Semiárido. “Mais do que nunca, a estratégia do momento é fazer incidência política e é fazer o movimento de baixo para cima, da base para cima. ”, defende ele ao falar do papel importante da mobilização da sociedade para impedir retrocessos e retirada de direitos.

Em Minas Gerais, está em debate a construção de uma Frente Parlamentar no próximo mês. As organizações que integram a ASA Minas tem estabelecido um diálogo constante com representantes legislativos para a construção de leis que protejam as sementes crioulas, consideradas um patrimônio da humanidade, e que fortaleça as políticas de convivência com a região. 

A mesa de abertura do Encontro, que teve como tema “Estratégias de incidência política para construção de políticas públicas voltadas para produção de sementes”, pautou a importância da sociedade civil organizada se articular com o poder público. “As redes como a ASA, como a AMA [Articulação Mineira de Agroecologia] e os Fóruns Regionais estarem em diálogo com o poder público é muito importante. A palavra de ordem é que ninguém solta a mão de ninguém, então de fato, nós temos que estar de mãos dadas, repercutindo nossas ações, para ficarmos muito mais fortes.”, afirma Helen Santa Rosa, representante do mandato da deputada estadual Leninha (PT-MG). 

Semente do semiárido, garantia da agrobiodiversidade 

 

As Casas de Sementes das guardiãs e dos guardiões da agrobiodiversidade e as Casas de Sementes comunitárias têm garantido a variedade de espécies em todo Semiárido, funcionando como elo na cadeia de conservação e, também, como estratégia de multiplicação, já que os agricultores plantam em suas terras e devolvem para as casas. 

Para entender e conhecer mais sobre armazenamento de sementes, os participantes do Encontro da Rede Estadual de Guardiãs e Guardiões da Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro foram conhecer duas experiências de Casas de Sementes no Norte de Minas: a Casa do guardião e agricultor Geraldo Gomes, localizada na comunidade do Touro, em Serranópolis; e a Casa do Assentamento Tapera, em Riacho dos Machados. 

A prática de guardar semente é uma tradição que é passada dos mais velhos aos mais novos,  Geraldo Gomes dá continuidade aos ensinamento que foi passado pelos seus antepassados, hoje com 56 anos, se orgulha ao mostrar a Casa de Sementes que tem no seu quintal, com uma diversidade de 300 variedades: ”A primeira roça que eu fiz, eu tinha 7 anos. Na época eu lembro que eu rocei até de facão porque eu não aguentava a foice. Desse tempo pra cá, eu venho todos os anos plantando, através do que aprendi com meu pai, com meu avô, em um sistema consorciado.”,conta o guardião que reforça também a importância das feiras e trocas de sementes para garantir que as variedades não se percam estando apenas com um agricultor. 

O Assentamento Tapera é composto por 43 lotes para moradia das famílias, 9 lotes comunitários e 2 áreas de reserva. O assentamento faz parte de diversos projetos de desenvolvimento sustentável rural, incluindo a construção de tecnologias sociais para a convivência com o semiárido. Entre eles, a Tapera integra o Programa Sementes do Semiárido.

Para a agricultora e membro da associação comunitária da Tapera, Elisângela Aquino, mais conhecida como Lô, a Casa de Sementes é a representatividade da comunidade, “um lugar onde quem vier nos visitar pode conhecer e levar de tudo que nós produzimos”. Lô explica que foi acordado com a comunidade que quem levar uma quantidade de sementes deve devolver o dobro na próxima safra, assim a Casa sempre terá sementes para disponibilizar para os agricultores. 

 

Saiba AQUI como foi a visita ao Assentamento Tapera.

 

Encaminhamentos

Ao final do encontro, que se encerrou na tarde de quarta-feira (22), os guardiões e as organizações reafirmaram o compromisso com a luta pela agrobiodiversidade e pela preservação das sementes crioulas, acordando os seguintes compromissos: 

- Entidades e organizações irão acompanhar as Casas de Sementes, independente de projetos;

- Fortalecimento das guardiãs e dos guardiões, garantido estrutura e condições de trabalho nas comunidades;

- Lutar contra os transgênicos e o pacote tecnológico e tomar medidas para que as Sementes da Gente não sejam contaminadas pelas transgênicas.
 


 

 


 


Postado por: Comunicação ASA Minas
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